No cenário empresarial contemporâneo, os critérios ESG – Ambientais, Sociais e de Governança – emergiram como um elemento vital que vai além das práticas convencionais de negócios. Mais do que uma simples responsabilidade ética, o ESG tem se estabelecido como um pilar estratégico para as empresas, moldando o seu caminho em direção a um futuro sustentável.
“Esse não é um movimento recente. Tem aproximadamente 20 anos de ‘maturação’ no Brasil. A grande mudança foi o modo como as empresas passaram a enxergar o tema. Antes, toda ação realizada era vista como uma iniciativa ESG”, afirma Luiz Macedo, gerente-executivo do Centro de Excelência em Varejo da FGV.
Em um cenário cada vez mais dinâmico, emergiu um perfil de consumidor que vai além das simples transações comerciais. Mais consciente, muitas vezes é chamado de “consumidor cidadão” e incorpora valores éticos, sociais e ambientais em suas decisões de compra, transformando o ato de comprar em uma escolha de impacto.
Atentos às responsabilidades das marcas em criar produtos e processos sustentáveis, 61% dos consumidores expressam insatisfação com os esforços ESG do mercado, segundo um estudo feito pela Teads, plataforma global de mídia, em parceria com a Kantar. “O mercado sempre enxergou a questão financeira como algo fundamental. Agora, a sociedade quer saber como o lucro foi alcançado: quais são as práticas, compromissos e políticas que levaram a empresa àquele lucro. Governança não é apenas resultado de relatórios e balanços; são as decisões tomadas no dia a dia”, afirma Macedo.
Entre os principais desafios, estão as marcas que adotam o greenwashing, termo em inglês que designa ações das companhias que se dizem sustentáveis, mas não são; aquelas que, sendo sustentáveis, comunicam de maneira inadequada, incluindo anúncios em ambientes não confiáveis; e as marcas sustentáveis que falham em comunicar suas iniciativas. A pesquisa destaca que 47% dos entrevistados escolheriam uma marca preocupada com a sustentabilidade, mesmo sem tê-la consumido anteriormente, e 46% estariam dispostos a trocar de marca caso descobrissem que ela não é sustentável.
Para o consumidor moderno, a experiência de compra vai além do produto ou serviço. Em um varejo influenciado pelas iniciativas ESG, a experiência é moldada por valores compartilhados. O consumidor busca marcas que não apenas ofereçam produtos de qualidade, mas também demonstrem um compromisso genuíno com a sustentabilidade, responsabilidade social e ética empresarial. “As empresas que desejam assumir compromissos sustentáveis e estar nos melhores rankings de ESG precisam ir além do discurso e praticar essas ações diariamente. Elas precisam fazer uma coisa que parece ser impossível no Brasil: assumir a responsabilidade pelo que estão fazendo”, enfatiza o especialista da FGV.
A fidelidade do cliente é construída sobre a base de uma conexão mais profunda, em que a marca não é apenas uma opção de compra, mas uma parceira na construção de um mundo melhor.
Brand activism
A expressão brand activism, ou ativismo de marca, tem ganhado destaque nos últimos anos. Ela se refere ao envolvimento de empresas em questões sociais e políticas, ultrapassando seus papéis tradicionais como entidades puramente econômicas. A tendência representa uma mudança de paradigma no comportamento corporativo: as empresas não buscam apenas o sucesso financeiro, mas também participam ativamente e defendem a mudança social.
“O brand activism não pode ser visto como uma estratégia de marketing. Ele é a própria essência da empresa. É uma transformação cultural, e uma escolha estratégica que se estende por todos os cantos da organização”, afirma Lyana Bittencourt, CEO do Grupo Bittencourt.
O reconhecimento de que os consumidores esperam cada vez mais que as empresas se posicionem em questões sociais está no cerne do brand activism. O posicionamento vai além das iniciativas tradicionais de responsabilidade social corporativa (RSC), à medida que as empresas utilizam sua influência, recursos e alcance para efetuar mudanças significativas em uma escala mais ampla. “A nova realidade corporativa exige um compromisso profundo com a responsabilidade social, ambiental e de governança. O consumidor consciente não procura apenas produtos de qualidade, mas também empresas que estejam alinhadas com seus valores e preocupações”, explica Lyana.
Uma pesquisa global realizada pela PwC indica que 70% dos consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos sustentáveis. Além disso, o EY Future Consumer Index revela que 84% dos consumidores consideram a sustentabilidade ao tomar decisões de compra. A estratégia exige cuidado e autenticidade. Para além de impulsionar mudanças positivas, a adoção do brand activism também pode fortalecer o vínculo entre as marcas e seus consumidores socialmente conscientes. “A abordagem coloca a empresa no centro da vanguarda da inovação e responsabilidade empresarial. Isso a posiciona como uma líder incontestável, preparada para enfrentar um futuro de negócios orientados para a conscientização e a sustentabilidade”, afirma.
À medida que as empresas continuam a evoluir, o brand activism pode ser considerado um testemunho da crescente interconexão entre o comércio e o progresso social. “O objetivo, no final das contas, é implementar e internalizar uma cultura que integre genuinamente os princípios do ESG, garantindo que o compromisso seja autêntico e promova resultados efetivos. As empresas e marcas que não se atentarem a isso vão ficar para trás”, finaliza Lyana.
Varejando de olho no consumidor…
O varejo, sem dúvidas, entendeu e a importância do brand activism e vem tentando abraçar, do seu jeito, a sustentabilidade. No dia a dia da operação, como em tantos outros setores, mas agora também nos produtos, ao se dar conta de que o consumidor, principalmente o das gerações mais novas, tem como prioridade o consumo sustentável de roupas, tecnologias, acessórios ou alimentação.
“Antes era natural você ver as marcas ditarem a tendência do mercado. Eram as décadas em que as marcas puxavam as rédeas. Hoje mudou e isso é muito nítido. É o consumidor que está puxando a rédea da marca. Ou você faz ou você está fora. A Geração Z veio para puxar as rédeas das marcas e também para mudar o mindset do mercado”, garante Roberto Jalonetsky, CEO da Speedo Multisport.
Nesta adaptação ao mundo sustentável, o executivo acredita que de certa maneira a Speedo consegue levar uma vantagem por ser uma empresa muito focada em pesquisar o seu consumidor, para entender e adaptar os seus produtos a ele, principalmente por ser uma marca esportiva com clientes amadores, intermediários e até mesmo de alta performance, com algumas necessidades mais individualizadas. “Pesquisa e desenvolvimento misturados com inovação nos trazem obrigatoriamente uma veia de foco e estudo 24h por dia no comportamento do nosso consumidor, para entendermos o que ele quer. Para antevermos o que ele precisa. E, obviamente, em algum momento, transformamos isso em produto e serviço. Então, voltando ao mundo da sustentabilidade, como trabalhamos isso? Com atitude e serviço, que é uma das pontas que liga a marca ao mercado”, afirma Jalonetsky.
Atualmente, o carro-chefe dos produtos sustentáveis da Speedo é a linha Green N’ Blue, formada por produtos reciclados, que contam com muita tecnologia embarcada, tanto para obtenção de alta qualidade, quanto para as peças serem vendidas a um preço acessível ao bolso do consumidor. “É a mistura do green, da sustentabilidade, com o blue, representando a água, que é a nossa essência”, revela o executivo, que acredita que as novas tecnologias podem cada vez mais ajudar na criação de melhores produtos sustentáveis.
“Voltando uma década, já se falava em camisetas feitas a partir de garrafas pet, mas era insuportável utilizar o produto. Independentemente da atitude, o consumidor quer um produto que seja confortável e que caiba no bolso, ainda mais para a prática esportiva. Pensando nisso, subsidiamos uma parte do produto, com a tendência de que ao longo do tempo isso não seja mais necessário, principalmente pela escala. Trazemos muita tecnologia por trás para conseguir uma melhor qualidade do produto. Hoje a camiseta Green N’ Blue é 100% reciclada, feita a partir de cinco garrafas pet, tem um preço acessível, é confortável e comunica essa responsabilidade social. E, para fechar essa visão de marca, estamos vindo em breve com uma segunda linha, agora de produtos biodegradáveis, que se decompõe de forma muito menos nociva na natureza e muito mais rápido”, revela o diretor-geral da Speedo Multisport.
… e na sustentabilidade
Seguindo a mesma linha quando o tema é sustentabilidade, as marcas de moda Malwee e Aramis também abraçaram a agenda ESG para lançar produtos que satisfaçam esse novo consumidor preocupado com o meio-ambiente e o futuro do planeta. Fundada em Jaraguá do Sul (SC), em 1968, a Malwee participa desde 2019 da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. A empresa estabeleceu um Plano ESG com a meta de que 100% dos produtos sejam fabricados com matérias-primas sustentáveis ou possuam processos com menor impacto ambiental em toda cadeia produtiva até 2030.
Na operação da empresa, destacam-se a gestão da água e o uso de energia limpa. A fábrica, localizada em Jaraguá do Sul, capta água do rio Jaraguá e a utiliza no processo produtivo por meio de um sistema de tratamento de efluentes, devolvendo-a limpa e tratada para a natureza. Além disso, com a ajuda de tecnologia, a companhia pode reutilizar até 200 milhões de litros de água por ano no processo produtivo. Já em relação à energia, em 2020, a Malwee adquiriu certificados de energia elétrica de fonte eólica para 83% da energia elétrica empregada no parque fabril, que em 2022 alcançou 100%. Desde 2015, a empresa utiliza em seus processos produtivos energia térmica, cuja fonte é a biomassa, reduzindo em 75% as emissões de gases de efeito estufa em relação ao uso de fontes não renováveis. E, desde 2011, utiliza matérias-primas que seguem os princípios da circularidade, como o algodão desfibrado e a malha pet, feita a partir de garrafas pet.
“O Grupo Malwee constantemente avalia e reavalia seu processo de produção, com o objetivo de realizar melhorias que minimizem o impacto ambiental. Entre as soluções, podemos destacar a reutilização ou reciclagem de sobras têxteis e estoques, upcycling e reciclagem de roupas, originando produtos sustentáveis. Destacam-se o ‘jeans com 1 copo d’água’, primeiro e único jeans do Brasil e da América Latina feito com apenas 300 ml de água, com uma redução de 98% em relação aos processos comuns; o ‘Moletom Des a.fio’, primeira peça de roupa da história da moda brasileira feita com matéria-prima produzida a partir de roupas usadas; e o ‘Fio do Futuro’, justamente a matéria-prima desse moletom, fabricado com 85% de roupas usadas e 15% de fibra pet, feita a partir de garrafas pet. Em um ano de projeto (2022-23), a Malwee transformou 4,7 toneladas de roupas recicladas em 3,1 toneladas de malha e 2.901 moletons Des.a.fio”, revela, orgulhoso, Gregório Reis, diretor de Marketing do Grupo Malwee.
Quem também está de olho na sustentabilidade dos fios na produção de suas peças é a Aramis, marca de moda fundada em São Paulo, em 1995. “Desde 2021, temos uma parceria com o grupo austríaco Lenzing, que produz a fibra tencel, ecologicamente responsável. Lançamos recentemente mais uma collab, contendo peças que reúnem tecnologia, funcionalidade e sustentabilidade. Elas são produzidas com tecidos feitos a partir desta fibra, que é proveniente de fontes renováveis de madeira, além de serem biodegradáveis e compostáveis. É uma revolução na indústria têxtil, oferecendo conforto duradouro com um toque muito macio”, afirma Camila Limberg, especialista de Sustentabilidade na Aramis, que conta também um pouco sobre outros produtos ecologicamente corretos da marca. “Também lançamos a jaqueta Global Project, produzida com tecidos, manta e forro originários de processos sustentáveis e que contribuem para promover uma economia circular, e a linha Red Jeans, que reutiliza 40% da água dos processos de lavanderia, prática que visa diminuir a extração de água na produção”, revela a executiva.
Em um momento em que o consumidor está cada vez mais exigente e cuidadoso, não só olhar, mas atuar de forma sustentável e produzir itens direta ou indiretamente ligados à agenda ESG é também uma forma de posicionar a própria marca. “O produto final é a forma que a marca tem de comunicar no ponto de venda seus pilares institucionais e compromissos. Claro que a sustentabilidade dentro de uma companhia vai muito além disso, mas, dentro do varejo de moda, oferecer produtos sustentáveis é, com certeza, uma demanda cada vez maior e um passo impactante na lógica de consumo”, garante Camila.
Nada mais representativo, quando se fala em ESG, do que uma loja construída passo a passo para ser inteirinha sustentável, desde a sua concepção, passando pela arquitetura, os materiais utilizados nas estruturas, as estratégias de atendimento e até mesmo uma horta de compostagem para os funcionários cuidarem e levarem para casa o que foi cultivado. É o caso do “Mc Sustentável”, no bairro do Paraíso, em São Paulo, pertinho da Avenida Paulista. Este restaurante do McDonalds, com mais de 60 ações sustentáveis, serve como um tipo de símbolo de tudo que se pode fazer pensando e abraçando a agenda ESG. “Esse restaurante tem a proposta de aproximar o consumidor a um lado do McDonald’s que nem todo mundo conhece, mas que está por trás de todo sabor e experiência que os clientes amam. Ele foi concebido como a tangibilização da Receita do Futuro, a nossa plataforma de atuação socioambiental, e é o nosso restaurante mais sustentável no País”, revela Marie Tarrisse, gerente sênior de Impacto Social e Desenvolvimento Sustentável da Divisão Brasil da Arcos Dorados.
“Esta unidade chega apresentando inovações e ações por toda sua estrutura que são novidades para nós e para o setor, mas que se encontram com uma série de outras iniciativas que já são colocadas em prática há anos, em toda nossa operação. São mais de 25 elementos obrigatórios em todas as inaugurações e reformas que estão presentes nessa unidade, como o reuso de água, eficiência energética, otimização do uso de condicionadores de ar, além de refletir a redução do uso de plástico e ser abastecido por energia renovável, como cerca de 70% da operação própria da Arcos Dorados. As demais iniciativas e comunicações exclusivas desta unidade tornam palpável para esse cliente nossos valores, deixando nosso trabalho ao alcance dele e compartilhando o conhecimento e missão de agir para a construção de um amanhã mais sustentável. Como companhia líder entre os restaurantes de alimentação rápida, acreditamos que temos a responsabilidade de liderar pelo exemplo, atuando como um agente que impulsiona o crescimento do impacto positivo no setor”, afirma Marie.
No foodservice, no varejo de moda ou esportivo ou em qualquer outro setor da sociedade, todos precisam entender que a sustentabilidade chegou para ficar. Não é mais apenas uma questão de tratar melhor o planeta. Hoje, principalmente para o varejo, é uma questão de respeitar e seguir as exigências do consumidor. É quem pode se dar ao luxo de não fazer isso? Afinal, o cliente sempre tem razão.
Fonte: Gustavo Grohmann e Gabrielly Mendes/Via Mercado&Consumo